No texto anterior eu comentei que os princípios que norteiam uma Comunidade de Prática (COP) são baseados na Teoria da Aprendizagem Social e que valeria outra postagem só sobre isso. Pois bem, aqui está…
A Teoria da Aprendizagem Social foi desenvolvida pelo psicólogo canadense Albert Bandura e destaca o quanto os indivíduos influenciam uns aos outros no processo de aprendizagem, seja de forma negativa ou positiva.
Em 1961, Bandura fez um experimento com um boneco inflável (conhecido como João Bobo, ou Bobo Doll em inglês) e o foco da investigação era perceber como as crianças reagiam ao ver alguém agredindo fisicamente e verbalmente o brinquedo. Uma das conclusões foi que, ao perceber que os adultos não eram punidos, as crianças repetiam o comportamento agressivo. Apesar de o estudo ter sido realizado com crianças, o adulto tende a fazer o mesmo e, portanto, sua aprendizagem é influenciada pela observação do comportamento dos outros e de suas consequências. Em outras palavras, o meio social afeta o seu comportamento, por mais que você não seja uma pessoa “influenciável”.
Segundo Bandura:
O aprendizado é bidirecional: nós aprendemos com o meio e o meio aprende e se modifica graças às nossas ações.
A teoria de Bandura serviu como referencial para Etienne Wenger, criador do conceito de COP, descrever alguns princípios da aprendizagem em comunidades:
- A aprendizagem é inerente à natureza humana.
O aprendizado é uma parte contínua e integrante de nossas vidas. Estamos constantemente aprendendo algo novo ou ressignificando (palavrinha que está na moda!) algo que já aprendemos, seja no local de trabalho, no ambiente familiar, no meio acadêmico, nas rodas de conversas com amigos, no cafezinho da tarde com os colegas de trabalho, acompanhando as redes sociais, navegando na internet, assistindo à televisão e até mesmo participando de COP’s. Basta pensar em quando foi a última vez que você aprendeu algo novo…
- A aprendizagem cria estruturas emergentes.
De acordo com Wenger (1998), “o aprendizado é o motor da prática e a prática é a história desse aprendizado”. Nesse sentido, as COP’s possuem ciclos que refletem esse processo e surgem para assegurar uma iniciativa que é sustentada por pessoas e baseada no aprendizado em conjunto. Logo, a aprendizagem é uma fonte para criar estruturas que emergem de interações sociais específicas.
- A aprendizagem é a capacidade de negociar novos significados e está intrinsecamente ligada à experiência.
Para Wenger, a aprendizagem envolve nossa experiência de negociação do significado, que ocorre por meio da participação e da reificação e ambos se complementam. A participação vai além do mero compromisso em atividades e práticas específicas com as pessoas e molda a nossa experiência e identidade (quem somos). A reificação (etimologicamente quer dizer “tornar em uma coisa”) diz respeito à projetarmos nossos significados no mundo para serem integrados na prática, tomando formas concretas de expressão ou sendo uma simples reflexão sobre essas práticas.
- A aprendizagem transforma nossas identidades e constrói trajetórias de participação.
A nossa trajetória de aprendizagem revela quem somos, onde estivemos e para onde vamos. Tornar-se membro de uma comunidade é um processo que ajuda a moldar nossa identidade e a construir histórias pessoais em relação às histórias das comunidades.
O aprendizado muda quem somos e cria histórias pessoais no contexto das comunidades (WENGER, 1998, p. 5).
- A aprendizagem envolve fronteiras.
As comunidades abrangem histórias compartilhadas de aprendizado que, com o tempo, deixam de ser contínuas porque suas trajetórias diferem entre si. Dessa forma, o aprendizado acontece quando sabemos lidar com essas descontinuidades ou atravessar suas respectivas fronteiras, que por sua vez são claramente percebidas quando passamos a fazer parte de uma nova comunidade e encontramos o desafio de compreender os conhecimento compartilhados e criados nessa comunidade.
- A aprendizagem é uma questão de engajamento e de imaginação.
O processo de aprendizagem em uma COP depende de um engajamento progressivo nas práticas daquela comunidade, o que requer capacidade de se envolver em situações e interações significativas, de compartilhar conhecimentos e percepções, de promover debates produtivos. Isso envolve imaginação, porque é por meio dela que as pessoas criam imagens do mundo e enxergam conexões que vão além da sua própria experiência.
É notório o quanto esses princípios descritos por Wenger vão ao encontro do conceito de inteligência coletiva, proposto por Pierre Lévy: “uma inteligência distribuída por toda parte, incessantemente valorizada, coordenada em tempo real, que resulta em uma mobilização efetiva das competências” (LÉVY, 2007, p. 28).
Lévy é um filósofo da informação que se ocupa em analisar as interações entre a internet e a sociedade. Seus estudos em muito contribuem para o entendimento da dinâmica de uma comunidade nos dias de hoje.
Quanto melhor os grupos humanos conseguirem se constituir em coletivos inteligentes, em sujeitos cognitivos, abertos, capazes de iniciativa, de imaginação e de reação rápidas, melhor asseguram seu sucesso no ambiente altamente competitivo da sociedade atual (LÉVY, 2007, p. 19).
BECK, C (2018). Aprendizagem Social de Albert Bandura. Andragogia Brasil. Disponível em: https://andragogiabrasil.com.br/aprendizagem-social-bandura/. Acesso em 05 de maio de 2021.
LÉVY, Pierre. Inteligência coletiva: por uma antropologia do ciberespaço. 5. ed. São Paulo: Edições Loyola, 2007.
WENGER, E. Communities of practice: learning, meaning and identity, 1998.
2 comentário em “Princípios que norteiam a aprendizagem em comunidades”