Quando fiz faculdade de Jornalismo, entre 1997 e 2001, falava-se na Imprensa como um “quarto poder”. Se tivesse que voltar aos “bancos” universitários no mundo de hoje, diria que há um poder que manipula todos os demais: o das redes sociais.
Este fim de semana assisti ao documentário The Social Dilemma, no Netflix – duas vezes! Na primeira, fiquei em estado de choque e com vontade de deletar todas as contas do Google, Facebook, Twitter, Instagram, LinkedIn, Pinterest, YouTube e até daqui do WordPress, onde hospedo meu blog. Recomposta, fui assistir pela segunda vez, com um olhar mais apurado. E foi quando decidi escrever este post.
Do que se trata o documentário?
Para alguns se trata de pura rebeldia de alguns executivos do alto escalão do Vale do Silício, que resolveram colocar “a boca no trombone” e contar os “podres” da indústria da tecnologia. Para outros, é um manifesto desses mesmos executivos – quase que uma confissão e um pedido de desculpas – que visa alertar as pessoas para problemas que eles mesmos ajudaram a criar, em função do denominado capitalismo da vigilância, que visa o lucro pelo rastreamento infinito. E este é só um dos problemas…
O documentário, dirigido pelo cineasta Jeff Orlowski, estreou no último dia 09 de setembro no Netflix, e mostra depoimentos de especialistas em tecnologia do Vale do Silício sobre como as redes sociais estão moldando nosso comportamento e percepção de mundo. Não é um filme que fala apenas do aspecto viciante das redes, aborda também questões sobre roubo de dados, polarização, fake news e influência nas eleições…
Um dos personagens principais do documentário é Tristan Harris, ex-designer ético do Google e, hoje, CEO e co-fundador do Center for Humane Technology, organização sem fins lucrativos focada na ética da tecnologia do consumidor. Em seu depoimento, ele destaca que empresas como Facebook, Instagram, Twitter, YouTube entre tantas outras que conhecemos – e somos “usuários” – têm como modelo de negócio manter as pessoas conectadas nas telas. Em muitas dessas empresas, há três objetivos principais: o de engajamento, para aumentar o seu uso e manter você navegando; o de crescimento, para que você convide amigos e os faça convidar outros amigos; e o da publicidade, para garantir que, enquanto tudo isso acontece, elas estejam lucrando o máximo possível com anúncios.
“Se você não está pagando pelo produto, então você é o produto”
Essa afirmação é confirmada por Roger McNamee, investidor em Social Media: “nos últimos 10 anos, as empresas do Vale do Silício operam vendendo seus usuários…”. E ele trouxe, ainda, outra revelação: quando elementos externos influenciam em outros países, como por exemplo, a Rússia nas eleições dos Estados Unidos, eles não “hackeiam” o Facebook, apenas fazem uso dos recursos da plataforma.
Shoshana Zuboff, autora do livro The Age of Surveillance Capitalism, explica, no documentário, que empresas como o Facebook se baseiam em dados para intensificar algo denominado “experimento de contágio em larga escala”. O que é isso? Por meio de dados, é possível afetar nossas emoções e comportamentos no mundo real sem que tenhamos consciência!
“É um mercado novo que negocia, exclusivamente, o futuro do ser humano em larga escala, assim como há mercados que negociam o futuro do petróleo” .
E o que parecia ser apenas um episódio do Black Mirror, na verdade, é vida real! Jeff Seibert, ex-executivo no Twitter afirmou que tudo, absolutamente tudo que fazemos na internet é assistido, monitorado e cuidadosamente registrado. É possível saber nosso humor, nossa personalidade, nossos hábitos, ideologias, onde estamos, com quem… E com essas informações, é possível acionar o gatilho que interessa aos anunciantes para mudar nosso comportamento em favor do que eles querem.
Jaron Lanier, um dos precursores da realidade virtual e autor do livro 10 argumentos para você deletar agora suas redes sociais, é outro personagem do documentário que trouxe provocações interessantes como:
“Criamos uma geração global de pessoas que crescem dentro de um contexto em que os significados de comunicação e de cultura estão atrelados à manipulação. Colocamos a manipulação sorrateiramente em tudo o que fazemos.”
Impossível não lembrar do livro “Teorias da Comunicação”, de Mauro Wolf, leitura obrigatória na minha época de faculdade, depois de ouvir este e outros depoimentos do documentário, que mescla fala dos especialistas com a atuação de atores que vivenciam o que esses “experts” descrevem. Se eu fosse professora universitária, pediria um trabalho dos alunos sobre este filme, fazendo um paralelo com a obra de Wolf.
Um filme para assistir com olhar crítico e analisar os impactos que as redes sociais podem trazer para todos os setores da sociedade, não só para nossa vida pessoal. Acompanho, por exemplo, o crescimento do marketing digital e promessas de faturar “6 dígitos em 7 dias” e fico pensando “às custas de quê?”. De um conteúdo bem estruturado? De uma promessa de transformação genuína de comportamento? Ou, simplesmente, de uma mudança de comportamento que foi milimetricamente manipulada para nos fazer acreditar que sem esse material/produto/serviço não sobreviveremos?
E quem não tem (ou teve) a – falsa – percepção de que se não estiver “ativo” no mundo digital, não terá sucesso? Qual o nosso conceito de sucesso? E o que dizer do “tenho que” fazer vídeos para story; “tenho que” fazer x postagens por dia/semana; “tenho que” … EU PRECISO, definitivamente, me libertar disso!
E nem vou entrar no mérito das fake news, que o documentário mostra claramente como elas são criadas e por quê… Aí é assunto para outro post.
O fato é que o ciberespaço está sendo explorado indevidamente e cabe a cada um de nós, primeiro, ter consciência de como a indústria da tecnologia atua para não se deixar levar pelas “notificações” do celular/tablet/computador. Estamos diante de um mundo em que os recursos tecnológicos só tendem a crescer exponencialmente.
A tecnologia, em si, não é uma ameaça. Mas, sua capacidade de trazer à tona o pior da sociedade, isso sim é uma ameaça existencial – Tristan Harris.
E tendo essa consciência, podemos escolher o que fazer com todo esse aparato tecnológico. Não pretendo me desvencilhar do celular, muito menos sair das redes sociais, porque, assim como Piérre Lévy, eu acredito e aposto num ciberespaço que pode se tornar o lugar de uma nova forma de democracia direta em grande escala. Acredito na tecnologia como aliada e não como instrumento de manipulação. Acredito numa tecnologia voltada para o ser humano. Sobretudo, acredito no meu papel de agente transformador e saber que outros agentes transformadores já têm ideias e soluções para mudar o atual cenário – e o documentário também mostra isso -, me anima a continuar nessa Matrix, usando-a em favor do bem coletivo.
E para terminar: desative as notificações do seu celular/tablet/computador!
Muito bom post e ótimas observações, Sandra. Mesmo quem se julga muito atento aos truques das redes sociais levou uma rasteira com alguns fatos apresentados pelo documentário. Nós aqui em casa ficamos embasbacados com a questão das bolhas de pensamento: como somos levados a pensar que muito mais gente pensa como nós, artificialmente… Assustador!